27 janeiro, 2012

Horário de trabalho

Badum Badum Bum, rápida sucessão de acordes límpidos de guitarra eléctrica, o estremunhar sentido de uma voz adolescente à procura do sentimento certo. Do meu andar já batem as seis horas. Tempo de sair. Só eu e a chefe, como de costume. Levo as mãos à fronte e massajo-a. Deixo-me ficar assim durante uns bons três minutos. Na escuridão, percebo o escritório de outro modo. A leve radiação emanada dos computadores faz vibrar o ar, deformando a atmosfera; a porta de madeira reforçada fragiliza-se com os ventos fortes de início da noite; ideias correm pelo chão, mas acabam por bater no caixote do lixo, depois atropeladas por frustrações, necessidades, génio, carácter e idiossincrasias várias. Reviro os olhos, ainda com eles fechados, tentando obter uma escuridão mais densa. Abro a cancela da minha disposição e absorvo o ritmo obsceno da banda que tocava no piso térreo.
- Lembras-te quando um dia também tivemos uma banda?
- Lembras-te quando um dia também tivemos uma banda?
- Deviamos voltar a tocar qualquer coisa...
- Deviamos voltar a tocar qualquer coisa...
- Minha querida.
- Minha querida.
A acústica do espaço já não era a mesma. Os pingos de chuva que ameaçavam a tranquilidade da noite, imiscuiam-se pelos buracos do telhado e batiam com um estrondo horrível no soalho.

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